Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Abril de 2024

Os atuais conceitos de família

Uma breve análise da família contemporânea sobe a égide da Constituição Federal de 1988.

Publicado por Hugo Henrique Barbosa
há 7 anos

Dispõe o art. 226, caput, da Constituição Federal de 1988 que: “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Nesse contexto, percebe-se que a família teria uma função primordial na sociedade, recebendo, em razão disso, proteção especial do Estado.

Bem por isso é que Letícia Ferrarini nos ensina que a família teria uma verdadeira função social e que esta deriva diretamente da: “efetiva proteção que ela recebe do Estado, ao menos no sentido de ser ela a instituição de maior relevância na formação de cada cidadão[1].

Para Orlando Gomes, a família é a célula base da sociedade e que, por isso, tem especial proteção do Estado, tanto aquela que provém do casamento, como aquela que resulta da união estável entre homem e mulher, assim como a constituída entre qualquer dos pais e seus descendentes, pouco importando a existência, ou não, de casamento entre os genitores[2].

De acordo com Maria Helena Diniz “o casamento é, ainda, indubitavelmente, o centro de onde irradiam as normas básicas do direito de família, que constituem o direito matrimonial”.[3]

A referida doutrinadora classifica e concebe três acepções fundamentais do vocábulo família, afirmando que “a plurivalência semântica é fenômeno normal no vocabulário jurídico”. Urge, portanto, delimitar o sentido dessa palavra.

Na seara jurídica seriam três as acepções fundamentais, quais sejam: a) amplíssima; b) lata e, c) restrita.

a) No sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, § 2º, do Código Civil, em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico.[4]

b) Na acepção “lata”, além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os arts. 1.591 e s. Do Código Civil, o Decreto-lei nº 3.200/41 e a Lei nº 883/49.[5]

c) Na significação restrita é a família (CF, art. 226, §§ 1º e ) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos pais e descendentes, como prescreve o art. 226 §§ 3º e , da Constituição Federal, independentemente de existir vínculo conjugal, que originou. Inova, assim, a Constituição de 1988 e o novo Código Civil, arts. 1.511, 1.513 e 1.723, ao reconhecer como família a decorrente de matrimônio (art. 226, §§ 1º e , da CF/88) e como entidade familiar não só a oriunda da união estável como também a comunidade monoparental (CF/88, art. 226, §§ 3º e ) formada por qualquer dos pais e seus descendentes independentemente de existência de vínculo conjugal que a tenha originado.[6]

Em um sentido genérico e biológico, Caio Mário conceitua a família como sendo “o conjunto de pessoas que descendem de um tronco ancestral comum”[7].

Em contrapartida, Maria Berenice Dias afirma que seria impossível definir clara do que seria família, atualmente, em razão do caráter mutável que se sujeita este instituto. Segunda a autora “os novos contornos da família estão desafiando a possibilidade de se encontrar uma conceituação única para sua identificação”[8].

A antiga estrutura familiar (antes unitária e matrimonializada) passa a assumir uma forma aberta, admitindo, dessa forma, outras maneiras de construção do vínculo familiar que não só o advindo do casamento[9]. Surge, assim, a chamada família plural.

Em razão disso, afirma Maria Berenice Dias que:

Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independente de sua conformação[10].

O antigo modelo patriarcal e hierarquizado, que revestia a codificação civilista de 1916, é efetivamente alterado em decorrência do princípio da igualdade entre os membros da relação familiar e, diante da inegável eficácia do princípio democrático nas relações familiares, em que marido e mulher, em condições de igualdade, assumem conjuntamente a direção da família (art. 226, § 5º).[11]

Hoje, segundo Ferrarini:

A família, fundada no casamento, não é mais a única consagrada pelo Direito Constitucional Brasileiro. A Constituição Federal de 1988 harmonizou as normas com os “fatos da vida” (…)[12]

Surge, então, a família democratizada, fundada, segundo Fabíola Santos Albuquerque, sobre quatro pilares “da repersonalização, da efetividade, da pluralidade e do eudemonismo[13], impingido nova roupagem axiológica ao direito de família”.[14]

O que vincula os casais para a constituição de uma entidade familiar não é mais o vínculo formal – pelo menos não exclusivamente. A Carta Política de 1988, ao reconhecer outras relações afetivas como entidades familiares e, principalmente, ao reconhecer a igualdade entre os filhos, independente da origem de filiação (biológico ou não, matrimonial ou extramatrimonial), afastou o vínculo formal do seu antigo papel de elemento caracterizador e de requisito da constituição das relações familiares.[15]

A desconstituição do formalismo familiar é proveniente dos valores constitucionais atribuídos a esta. Sendo assim, no entendimento de Sumaya Saady Morhy Pereira, a família “não pode mais ser vista como a reunião de um homem e uma mulher e destes com seus filhos ‘legítimos’, tendo como base o casamento”.[16]

Para Maria Helena Diniz, em um sentido técnico, família seria “o grupo fechado de pessoas, composto de pais e filho, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto, numa mesma economia e sob a mesma direção”[17].

Concluímos que, diante das constantes modificações sociais as quais estão sujeitas a família, torna-se infrutífero a ideia de tentar conceituá-la, pois, desta forma, estaríamos estatizando e emoldurando algo que, como demonstrado, é extremamente “mutável”.

As alterações legislativas e jurisprudenciais, por mais que se esforcem, nunca poderão alcançar o avanço desenfreado deste fenômeno social, por isso, cabe aos doutrinadores e juristas, da melhor forma possível, analogicamente, conceituar a família contemporânea, levando em consideração os novos arranjos que surgem a cada dia, lembrando sempre de olhar o direito de família “com os olhos do novo”.

A democratização do núcleo familiar, “célula base da sociedade” como conceituam muitos doutrinadores, vem como forma de garantir a eficaz aplicação dos preceitos constitucionais de igualdade e dignidade da pessoa humana, deixando claro que, o que deve prevalecer em uma relação é o afeto.

Assim, para nós, família seria a união de duas pessoas (não mais de sexos opostos), entrelaçadas pelo elo de afetividade, (afastado o preceito materialista de outrora) com o propósito de construírem um ambiente sadio e próspero, possibilitando o desenvolvimento pleno dos seres que nele habitam.


[1] FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.78.

[2] GOMES, Orlando. Direito de família, p.34

[3] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 5º volume, p.04

[4] Idem, p.09-10

[5] Ibidem, p.10

[6] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 5º volume, p.10-11

[7] PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito Civil, Vol. V, p. 19

[8] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p.40-41

[9] PEREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e Relações Familiares, p.90

[10] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p.41

[11] PEREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e Relações Familiares, p.90

[12] FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.78

[13] Nos ditames de Luiz Edson Fachin, em seu livro Elementos críticos do direito de família, p. 291, a concepção eudemonista da família seria aquela, na qual, não é mais o indivíduo que existe para a família, pelo contrário, a família que existe em função do desenvolvimento pessoal do indivíduo, em busca de sua aspiração à felicidade.

[14] apud DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias, p.41

[15] PEREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e Relações Familiares, p.91

[16] PEREIRA, Sumaya Saady Morhy. Direitos fundamentais e Relações Familiares, p.91

[17] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 5º volume, p.12

  • Publicações3
  • Seguidores7
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações6309
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/os-atuais-conceitos-de-familia/418033042

Informações relacionadas

Williane Sara, Bacharel em Direito
Artigoshá 6 anos

A família na atualidade: Novo conceito de família e novas formações

TAVARES & AUGUSTO - ADVOGADOS, Advogado
Artigoshá 9 anos

A evolução da ideia e do conceito de família

Jessica Maira Ribeiro, Estudante de Direito
Artigoshá 4 anos

A Teoria do Desamor:

Adeilson Oliveira, Advogado
Artigoshá 9 anos

Princípios do Direito de Família

Larissa Vilela, Advogado
Artigoshá 2 anos

Conciliação e os aspectos positivos no direito de família

1 Comentário

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

Interesse coletivo continuar lendo